terça-feira, 10 de agosto de 2010

Era uma vez um homem

Segue abaixo duas reportagens retiradas da revista Vida Simples que eu achei simplesmente sensacionais.

Ele voltou
Depois de décadas em que a guerra dos sexos moldou o comportamento masculino, a figura do macho está de volta. Deem tchauzinho, metrossexuais!
texto Ronaldo Bressane

É fato: o cromossomo Y, que determina o sexo masculino, está com os dias contados. As más notícias foram trazidas por cientistas australianos. “O cromossomo Y tem uma larga faixa de DNA, mas está cheio de ‘lixo’, e há apenas 45 genes nele. Não dá para comparar com os 1345 genes do cromossomo X”, diz a doutora Jenny Graves, da Universidade de Canberra. Observando a fauna australiana – incluindo cangurus –, o laboratório australiano descobriu que a cada milhão de anos 7,8 genes Y são perdidos. “Há 166 milhões de anos, o cromossomo Y também tinha 1345 genes”, afirma a pesquisadora. Ou seja – o crepúsculo do macho está em pleno processo. Mas vocês não vão se livrar de nós tão cedo, garotas. “A essa velocidade, o cromossomo Y vai desaparecer em 6 milhões de anos”, sentencia a australiana.

Antes que eu jogasse pedra na doutora Jenny por seu catastrofismo, o bioquímico Franklin Rumjanek, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, refletia: uma vez que o cromossomo Y se especializou em determinar o sexo masculino, se esse ajuste foi aprovado pela seleção natural o Y pode permanecer entre nós por muito tempo. “O que sabemos é que o cromossomo Y já não tem mais origem exclusiva nas gônadas masculinas e, além disso, corre o risco de desaparecer”, diz Franklin, lembrando um experimento da Universidade de Newcastle que criou espermatozoides humanos a partir de células-tronco originárias de um embrião feminino. “Essa bifurcação evolutiva pode significar o fim da hegemonia masculina. Mas também pode ser o arauto da extinção da espécie”, afirma Franklin.


Doce vampiro
Os sinais da derrocada macha se demonstram em estudos biológicos e também em narrativas contemporâneas – como a graphic novel Y: O Último Homem, de Brian Vaughn e Pia Guerra, que enquadra um mundo em que uma catástrofe exterminou todos os homens do planeta à exceção de um, o perseguido Yorick Brown. Pobre Yorick: enquanto a macharia teima em largar a toalha molhada na cama, berrar palavrões na arquibancada e encerar o capô do carro, a trilha evolutiva desdenha e olha para o outro lado da rua. O deus nos acuda agora vem de um estudo comportamental publicado na revista científica Proceedings of the Royal Society: mulheres de sociedades mais civilizadas se interessam por homens que não pareçam tão homens assim.

Usando o site faceresearch.org como base, Ben Jones e Lisa DeBruine, da Universidade Aberdeen, na Escócia, mostraram 20 pares de rostos masculinos a 4800 mulheres de 20 países. No frigir dos ovos, o par de especialistas constata que “em ambientes onde doença e alta mortalidade infantil são altas, as mulheres preferem tipos mais masculinos. Nos EUA ou na Inglaterra, onde analisar planos de saúde é mais importante que brigar contra uma infecção, homens efeminados são mais competitivos”. Ainda suspeito se essa pesquisa funcionaria em países latinos como o Brasil – mas, a julgar pela nova tendência emogótica, as moças estão mais para Robert Pattinson (o doce vampiro da série Crepúsculo) que para Clint Eastwood. É a evolução, estúpido!

A queda é tão iminente que, além do decantado metrossexual e do homem-fofoleto do estudo acima, a revista Slate reportou a tendência: o “macho ômega”. O herói-frouxo é o pesadelo de consumo de mulheres que já se desinteressaram tanto pelo ultracompetitivo alfa quanto pelo confortável beta e partem para o fim da fila – para a raspa do tacho, onde ainda há uma rebeldia recendendo a testosterona. Seu símbolo é o Ben Stiller do filme Greenberg. Quarentão, Greenberg corteja uma gracinha de 25 anos dizendo que, quando criança, sonhava ser astronauta; hoje, mal dirige. Desistiu da carreira de músico e agora banca o carpinteiro, mas nada sério: como diz aos amigos, “está fazendo nada por um tempo”. A Slate toma Greenberg como estereótipo do homem que, no começo dos anos 2000, sentiu o baque da recessão econômica e, confuso com as mudanças no comportamento feminino, reinventou-se num tipo charmosamente desajustado, loser. Para a jornalista Jessica Grose, eis os subtipos ômega:

• Brejeiro: bobo alegre, quando habita os comerciais de cerveja, no caso de ser boa pinta ou acreditar em seu ideal de solidariedade masculina selada por um tintim. Ou triste, quando percebe a roubada em que se meteu: gosta dos amigos, é leal à esposa e aos filhos, mas sente que a vida poderia ser melhor.
• Gameboy: nerd que não toma uma atitude adulta na vida a não ser que, como em um game, seja obrigado.
• Inútil Paisagem: veste-se bem, parece gay, mas não é. Narcisista que habita academias, clubes, bares descolês e espelhos.
• Gênio em Crise: tipo o Caio Blat no filme Histórias de Amor não Duram 90 Minutos, em que interpreta um escritor que não consegue escrever nem se decidir entre a mulher autossuficiente e uma perigosa piriguete.

Nova mulher
Mas, afinal, o que faz de um homem um homem? Como canta Roberto Carlos: “Todo homem que sabe o que quer/ sabe dar/ e querer da mulher”, pode ser uma trilha para os novos pensadores da macheza contemporânea. Escribas como o carioca João Paulo Cuenca, o gaúcho Carpinejar e o cearense Xico Sá deixam o quadro mais claro.

Em recente crônica n’O Globo, João Paulo Cuenca aventa: “Que o homem é a nova mulher até o cinema norte-americano já descobriu”. O autor do romance Corpo Presente compara o priapismo de Porky’s, clássico ca- fajeste de 1982, com 500 Dias com Ela, de 2009, “fita que leva o macho em crise ao paroxismo, com seu protagonista indie-genérico prometendo amor eterno entre choramingos e muxoxos”, e com Crepúsculo (2009), em que o herói “seduzido pela mocinha da fita passará pelo menos dois longas- metragens e meio evitando mordê-la ou levá-la para a cama”. O “vampiro-fofo” de Cuenca nasce de uma demanda feminina, cristalizada no cinema e materializada no “galã-amélia, cozinheiro de mão cheia, companheiro para todas as horas, conselheiro para tardes de compras no shopping e futuro ex-namorado-melhor-amigo”. O viagra metafísico para esse draculete estaria embutido em mulheres poderosas como a atriz Angelina Jolie ou musas do funk como Deise Tigrona. Para Cuenca, somente essas mulheres teriam a capacidade de mostrar de volta o caminho de casa aos novos Bogart, Brando, Eastwood – se é que eles existem (e se é que ainda existe o caminho de casa).

Por sua vez, o poeta gaúcho Carpinejar aposta na canalhice. Canalha, que vem do italiano canaglia, da raça dos cães, designa o que é infame, vil. O aprendizado da macheza, para o poeta, estaria no retorno às origens como vira-latas, cão sem dono sempre disposto a fuçar no lixo, entrar no cio ou uivar para a lua. Pistoleiro solitário, esse espécime contemporâneo de canalha, “quando domesticado, acaba revelando que não era canalha... A canalhice é um excesso de imaginação. A saída é desejá-lo! O canalha procura uma mulher capaz de entendê- lo e que não tente ajustá-lo”, escreve. Esse novo canalha é um animal nascido na geração do divórcio, “de quem foi criado pela mãe e tem mais intimidade com o mundo feminino. Nunca vai ser um coitado: ri de si mesmo e tem capacidade camaleônica de se adaptar”, fecha o autor. Ele faz questão de distinguir o canalha do cafajeste e do pilantra. “O canalha não coleciona mulheres; realmente as ama”, escreve.

O cearense Xico Sá, em seu novo CHABA- DA-BA-DÁ – Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea Que se Acha, avisa: “Cuidado, frágeis!, eles estão perdidos, sejam metrossexuais, übersexuais ou brechossexuais (aqueles que só usam roupas com encosto de brechó). Fracos, não aguentam o tranco das mulheres mais destemidas. Arrotam macheza nos botecos, mas logo que põem as patas em casa, uivam para a lua minguante e sonham com uma chuva de coleiras”, escreve. E aí, como registra esse canalha lírico, são as mesmíssimas mulheres que pedem uma esmola do coração dos mesmíssimos homens. Para ilustrar, a seguinte conversa pescada por Xico de uma moça num bar de São Paulo: “Antes um bom canalha de ressaca que um saudável bom moço perfumado com a boca sempre cheirando a antisséptico!”

O que faz de um homem um homem?
Prefiro lembrar uma imagem simples, criada por Cormac McCarthy em sua obra-prima A Estrada. Não que ele esteja exatamente respondendo à minha pergunta. McCarthy é um contador de histórias, e esta é sua narrativa mais seca, precisa e emocionante – e, portanto, sua fábula mais poderosa no oco deixado pela sugestão de inquietações. No romance, que se passa num cenário pós-apocalíptico, pai e filho atravessam seu devastado país do norte gélido ao esperançoso sul. Um diálogo entre os dois (que remete também ao fim de outro livro de McCarthy, Onde os Fracos não Têm Vez):

“Nós vamos ficar bem, né, pai? Sim. Vamos. E nada de mau vai nos acontecer. Isso mesmo. Porque estamos carregando o fogo. Sim, porque estamos carregando o fogo.” O que faz de um homem um homem? Quando o bicho pegar, sempre vai ser necessário um homem que carregue o fogo. Para acender o cigarro da dama, para aquecer o rango de todos – ou simplesmente para tocar fogo no circo.

Decálogo do Machão
Por Millôr Fernandes

1. Machão vai à caça, passa seis meses na floresta, quando volta a mulher telefona, ele diz: "Não".
2. Machão não come mel, come abelha.
3. Machão, na hora da morte, não confessa: vai pro inferno logo.
4. Entre um sorvete de creme e um uísque, o machão não hesita: mistura.
5. Machão não tem automóvel: faz ligação direta no primeiro que encontra.
6. Machão não se deixa levar pelo destino: segue enredo próprio.
7. Machão jamais é encurralado no apartamento pelo marido inesperado: anda sempre de pára-quedas.
8. Machão não fuma, não bebe, não joga: usa maconha.
9. Machão não casa: cumpre pena.
10. Machão, ao ir pra cama, não se descalça. Trepa de chuteira e tudo.

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