domingo, 18 de julho de 2010

Os Silêncios - a vida de um casal em seis partes

      I
      O casal se senta lado-a-lado e começa a conversar enquanto não são atendidos. Ela, pequena, cabelos escuros, vestido preto e maquiagem feita às pressas. Ele, com uma calça surrada, barba por fazer, cabelo ajeitado e camisa branca com uma mancha de café na gola esquerda. São jovens demais para ficar em casa nessa noite de sábado, mas velhos demais para noitadas na boate. Vê-se que a ideia da saída não agradou nenhum dos dois.

      II
      Eles falam sobre seus dias, seus trabalhos, suas amizades em comum, suas pendências. Ele conta uma anedota, ela ri. Pedem seus cafés, o dele descafeinado. Enquanto esperam, há um silêncio desconfortável. Quantas coisas podem ser ditas, precisam ser ditas! Mas nenhum dos dois levanta o rosto para fazer contato visual. Ao invés disso, ela prefere fazer um comentário sobre a mancha na gola dele e sobre como ele deveria prestar mais atenção no que faz. Ele suspira fundo e acende uma cigarrilha. Ela pede os fósforos para acender seu cigarro. Outro silêncio desconfortável.

      III
      Os cafés chegam e ela toma o seu rapidamente, como se quisesse acabar logo para ir embora. Ele nem percebe, está prestando atenção no jovem casal ao seu lado. Ela está no limite. Pensa em abrir o jogo com ele, de uma vez por todas! Mas um comentário dele sobre a cor de seu esmalte a faz desistir.

      IV
      Ao chegar em casa, ela se dirige ao banheiro para remover a maquiagem. Ele se despe, acerta o despertador para seis horas e meia (depois para seis horas e trinta e cinco minutos, já que cinco minutos não fazem mal a ninguém) e espera por ela no lado direito da cama. Ela volta do banheiro com sua cara pálida e nua, assim como seu corpo. Fazem amor sem amor. Dormem.

      V
      Quando ela acorda ele já está fora. Ela abre as janelas, arruma as camas e molha suas plantas. Vai até a garagem, pega uma corda velha que um dia serviu para amarrar seu cachorro e se dirige ao jardim. Ela olha para sua casa, para seu canteiro, para seus vizinhos. Abre um sorriso sutil e perde o ar.

      VI
      O casal em um silêncio mórbido. Ele, com os lábios brancos e coração desparado. Ela, com lábios brancos e coração parado.

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