domingo, 18 de julho de 2010

A costela de Adão: o poder feminino no cinema


Faz tempo que não escrevo sobre filmes, mas devo admitir que é por falta de ideias sobre o que escrever.
Hoje decidi falar sobre algo que eu abordo sempre, mas não falei especificamente sobre: o poder das mulheres retratado no cinema. Vou falar sobre três filmes, apesar de saber que existem mais um zilhão de exemplos.
São também os filmes 2, 3 e 4 do Les Films de Ma Vie

Decidi começar pelo filme que titula o post, Adam's Rib (1949), com Katharine Hepburn e Spencer Tracy. Um casal de advogados, Adam e Amanda, têm ideias e princípios muito diferentes. Ele é um homem um tanto rígido, que acha que nada está acima da lei. Ela é uma mulher liberal, feminista e, como toda mulher (e eu digo isso no bom sentido), manipuladora. Os dois são tão diferentes que até leem jornais diferentes!
Em uma manhã, Amanda lê uma matéria sobre uma mulher que ingenuamente seguiu o marido com uma arma e atirou nele e na amante descontroladamente, sem a intenção de matá-lo, mas por raiva. (In)felizmente, o marido não morreu.
No trabalho, Adam descobre que foi contratado para defender tal homem e, para mostrar ao marido que as mulheres têm os mesmos direitos que os homens, Amanda decide defender a acusada. Isso porque naquela época, se um homem estivesse no lugar daquela mulher, ele poderia simplesmente alegar que estava defendendo sua família; e se uma mulher tivesse um amante era mal vista (e o contrário não era recíproco).
Os dois então se enfrentam não só na corte como também em casa. Amanda chama mulheres fortes e exemplares para defender sua tese e Adam continua forte com sua opinião. As brigas vêm e vão até chegar uma hora que você não sabe o que sairá primeiro: o veredito ou o divórcio dos advogados.

O pôster do filme é uma ilustração perfeita da história: Katie Hepburn e Spencer Tracy brigando por um par de calças, lado a lado, sem inferior ou superior. Por isso que ele é tão especial, pois mesmo antes das mulheres saírem nas ruas queimando seus sutiãs, já existia uma semente do que seria o feminismo.
Inclusive em uma cena que Amanda está sendo seduzida por seu amigo que gosta dela, ela usa o termo "homem" como algo pejorativo!
"      Amanda: Agora ouça, Kip, estou tentando lutar contra o preconceito. Mas está claro que você está agindo como um, como um... - bem, eu odeio colocar isso dessa forma - como um HOMEM!
       Kip: Olha a boca!      "




Algumas décadas mais tarde, surge na Alemanha aquele que se tornaria o pai do Novo Cinema Alemão, Rainer Werner Fassbinder. Os que gostam de cinema sabem muito bem que Fassbinder tem uma sensibilidade incrível para personagens femininas como heroínas principais. Poderia passar dias escrevendo sobre filmes como Lola (1981), Lili Marleen (1981), Die Sehnsucht der Veronika Voss (1982) e Die bitteren Tränen der Petra von Kant (1972), mas escolhi, é claro, Die Ehe der Maria Braun (1979), a obra-prima de Fassbinder.
O filme começa com uma sequência inesquecível: a imagem de Hitler sendo destruída e atrás, uma cerimônia de casamento no meio de um bombardeio. Os noivos precisam assinar o contrato agachados no chão e é muito estranha essa frieza com que tanto o casamento quanto a guerra são tratados. Você fica sem saber se eles querem casar logo por conveniência ou se eles não estão nem aí para a destruição do local.
Logo depois vemos Maria Braun (Hanna Schygulla numa interpretação maravilhosa) com um cartaz colado às costas perguntando sobre o paradeiro de seu marido. Ela passa muito tempo com a esperança de que o marido, com quem só passou uma noite e metade de um dia, voltará da guerra vivo e rapidamente. Tendo que trocar broches da família por cigarros, conhaque e pão, Maria decide arranjar um emprego. Acaba trabalhando em um bar de soldados americanos em que vende "cerveja, não a mim mesma", como ela diz.
A maioria dos soldados é de pele negra e ela acaba se encantando por um deles, Bill. Não muito depois, recebe a notícia que seu Hermann Braun faleceu. E aí que vem uma reação memorável: ela deixa a água da torneira escorrendo pelo seu pulso, como se fossem as lágrimas que ela não pode chorar. Como consolo, corre para os braços de Bill e começa a ter um romance com ele.
Ela aprende inglês com ele e, um certo dia, descobre que está grávida. Ela volta para casa e conta para Bill. Os dois começam a brincar sobre a ideia e a tirarem suas roupas. É quando chega Hermann Braun. Quando se dá conta de sua presença, Maria olha para ele e sorri, sem culpa alguma, apenas com a felicidade de uma mulher cujo marido voltou para a casa. Começa um desentendimento e Maria acaba matando Bill. No interrogatório, Hermann assume a culpa do assassinato e é preso.
Nessa hora, Maria muda muito. Seu filho é um natimorto. Percebe que tem que usar as calças da casa e avisa seu marido que vai buscar trabalho.
Durante uma viagem de trem, em que ela dá um jeito de ir na primeira classe, ela conheçe o francês Karl Oswald que tem uma fábrica de tecidos.
Chega um soldado americano bêbado que, pensando que Maria não fala inglês, diz a ela que gostaria de "fudê-la". Ela gentilmente responde: "To answer your question I'm really the best you could ever be fucked by, although I doubt you will ever get the chance after I kicked you in your bloody old prick that your bloody old balls would just drop off. And now sir, you better fuck off immediatelly, otherwise I'd be forced to call the military police to get you bloody old son of a bitch in jail." (se eu traduzir perde a graça)
Ela começa a trabalhar para Karl Oswald e, uma noite, inesperadamente, ela fala "Quero dormir com você." Começa assim um caso diferente. Na manhã seguinte, Karl pergunta se ela está com medo que descubram que ele está tendo um caso com ela e Maria responde: "Não me importo com o que os outros pensam. Mas me importo com o que você pensa. E você não está tendo um caso comigo, eu que estou tendo um caso com você." Pronto. A partir daí o pobre Karl Oswald vira submisso de Maria Braun.
Ela admite para seu marido que está dormindo com o chefe e começa a se tornar uma verdadeira mulher de negócios ou, como ela se denomina, "a Mata Hari do milagre econômico".

É importante destacar que as roupas de Maria vão ficando cada vez mais glamurosas de acordo com o dinheiro que ela vai ganhando e, é claro, com o boom da economia alemã na época. Nesse ponto da história Maria se mostrou uma mulher independente com frases como "Prefiro fazer milagres do que esperar por eles" e, apesar dos pesares, ela continua insistindo que ainda ama seu marido e por isso não se casará com Oswald. Por outro lado, temos também cenas em que mostram o contraste do cenário alemão da época, como essa, em que Maria e sua amiga Betti estão elegantes para visitar ruínas do que foi sua cidade:
SPOILERS! O tempo passa e Hermann sai da prisão. Mas ele foge para o Canadá com a desculpa que só voltará quando se tornar "alguém" e mandará flores toda semana. Maria compra uma casa só sua e espera a volta de seu marido. Karl Oswald falece.
Quando finalmente Hermann Braun volta parece que o casamento deles vai começar enfim! Eles ficam em casa esperando para que cheguem as pessoas que lerão o testamento.
E novamente, Maria repete a cena da água escorrendo pelo pulso:


Não vou revelar o final, mas tenha certeza de que é fascinante.

Por enquanto tivemos uma mulher dos anos 40 à frente de seu tempo e uma mulher dos anos 50 vista pelos olhos de um diretor dos anos 80. Agora, a última é a mulher contemporânea.

"Se os homens soubessem..." É o que Alice Harford (Nicole Kidman) responde ao marido quando ele lhe diz que os homens querem sexo e as mulheres querem segurança e comprometimento. Eyes Wide Shut (1999) é mais focado na reação que o Dr. Bill Harford (Tom Cruise) tem quando sua mulher fala que já teve desejos de dormir com outros homens que não ele. Porém isso não minimaliza o papel dela. Essa é uma das primeiras vezes que o estereótipo da mulher que só quer "relações sérias" e amor é questionado e o que intriga é que o marido ingênuo nunca pensou que fosse possível que sua mulher pudesse pensar em ser infiel a ele.
Alice Harford é a mulher que é fruto luta das outras duas acima: é independente, tem sua família, mas ela poderia trabalhar se quisesse. Aparentemente toda a batalha das feministas já está ganha.
Mas Stanley Kubrick ainda lança uma última polêmica: as mulheres não são seres "castos" e fiéis até a morte ao seu homem. Elas também têm seus desejos. E esse fato que leva Bill a procurar algum sentido, alguma vingança, alguma forma de tirar do peito essa coisa que lhe encomoda.
Então ele sai na noite, encontrando com uma prostituta, uma filha de um falecido paciente e um antigo amigo que lhe conta sobre uma orgia esquisitíssima com pessoas mascaradas.
No final das contas os dois não sabem o que é traição ou não: ter sonhos e desejos não concretizados ou quase ser infiel. SPOILER! É quando o filme termina que realmente se conclui esse problema no casamento (só assista se você já viu o filme ou se realmente quer estragar um bom filme):


 Para concluir, deixo a dica do filme Death Proof (2007), de Quentin Tarantino, que está saindo agora nos cinemas do Brasil. Não é um filme sobre o poder feminino como eu escrevi aqui, mas sim sobre "girl power". Vale a pena para o fim de semana!

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