domingo, 6 de junho de 2010

O "discreto" charme da burguesia: a classe alta no cinema

Quando começou a fazer seus filmes, Michelangelo Antonioni foi criticado por não manter a tradição dos filmes neo-realistas de Rossellini (como Germania anno zero (1948), que conta a dura história de um menino na Alemanha pós-guerra) e por falar de temas considerados "menos reais". Ele disse "eu falo sim da realidade, mas falo da realidade sem bicicleta" (referência ao clássico Ladri di biciclette (1948), que tinha a temática do pós-guerra também). Nasce assim um novo neo-realismo italiano, que aborta temas como a vida das classes média e alta e as crises psicológicas do homem moderno e é encabeçado por Antonioni e Federico Fellini.



Nessa década de 1960 o mundo já tinha se recuperado de duas guerras mundiais e agora estava reconstruindo suas divisões sociais. Consequentemente, o cenário dos filmes muda e a classe alta começa a ser criticada e retratada com mais frequência. Na Itália, como legado do neo-realismo, Fellini nos trouxe La dolce vita (1960), com a linda Anita Ekberg e o maravilhoso Marcello Mastroianni no elenco. Por trás do glamour, da música e dos lindos cenários, a história é a constante dúvida que o personagem de Marcello, um jornalista, tem: ele deve viver no mundo da elite ou levar uma "vida comum" junto com sua namorada? O filme segue sete dias de sua vida, que tem como personagens seundários uma atriz de cinema, a namorada, a amante, entre outros. A trilha de Nino Rota é apaixonante. Deixo aqui a música tema do filme:


Apesar de parecer, não era uma das primeiras vezes que o mundo assistia um filme sobre uma realidade diferente, a realidade "dos ricos". Jean Renoir em 1939 já tinha feito uma crítica sensacional à burguesia francesa de qual era parte (em termos). O filme se chamava La règle du jeu (1939) e falava sobre um um casal que, apesar de ter sua "roupa suja", decide ignorar e continuar mantendo a pose. Eles convidam um grupo de amigos para viaja para a sua mansão do campo e realizam uma caçada. Durante a estadia, vemos um pouco da vida dos criados, segredos são revelados e um grande mistério acontece.
É um ótimo filme que está constantemente na lista dos dez melhores da história do cinema.


Duas décadas mais tarde o tema volta a rondar não só a Itália, como a Europa toda. Então, apesar de não ser neo-realista, outro grande cineasta fez filmes inesquecíveis sobre o assunto: Luis Buñuel.
Seu trabalho mais memorável é, sem dúvida alguma, Un Chien Andalou (1929), que fez em parceria com Salvador Dalí. Porém, na minha opinião, seus melhores trabalhos são os três filmes que abordam o tema que venho falando.

 Vou começar citando o mais antigo, El ángel exterminador (1962). O filme é sobre um grupo de amigos ricos que são convidados para jantar na casa de um casal. Depois do tal jantar, eles tentam ir embora, mas, por alguma razão misteriosa, não conseguem ir. Eles passam a noite todos juntos e, pela manhã fazem uma nova tentativa. Ainda assim ninguém consegue ir. As janelas estão abertas, as portas não estão trancadas, não há nada que os impeça de passar da sala de estar, mas por algum motivo todos param quando tentam cruzá-la!
À medida que os dias vão passando as lindas máscaras que eles usam vão caindo, revelando a verdadeira natureza humana.


Outro, que dá nome ao post, Le charme discret de la bourgeoisie (1972), aborda a mesma temática, em outra circunstância e com um toque de surrealismo. Amigos burgueses tentam se juntar para jantar, porém são interrompidos por um imprevisto ou outro. Essa tentativa fracassada do jantar se repete durante o filme inteiro, porém cada vez as situações vão ficando mais absurdas, até um ponto em que a questão é se eles estão sonhando ou se isso está acontecendo realmente. Uma obra-prima de Buñuel, que deixa o filme divertido, mas com uma crítica tão irônica que beira ao sarcasmo.


Por fim, o último da "trilogia" é Belle de jour (1967), que deixei para o final porque é meu preferido. Uma mulher, Séverine (Catherine Deneuve, numa interpretação de caír o queixo), parece ter tudo: um marido que é médico, dinheiro, uma casa bonita...mas não consegue satisfazer seus desejos sadomasoquistas.
Na tentativa de realizá-los e para preservar a pureza de seu casamento, Séverine (cujo nome é uma referência ao livro Venus im Pelz) arranja emprego com uma "madame", e passa a trabalhar como prostituta todos os dias das duas às cinco da tarde. Mas o que parecia apenas um hobbie incomum acaba se tornando mais sério quando um de seus clientes se apaixona perdidamente por ela.
Aparentemente a história é simples, fácil de entender. Mas não podemos esquecer que esse é um filme de Buñuel! Então a pegunta que ronda o filme é: ela está mesmo trabalhando no bordel ou é outra fantasia sua? O que é fato? O que é ficção?

Para finalizar, volto para a Itália, onde tudo começou. As obras de Fellini são muito controversas e há grandes debates sobre elas. Porém na minha opinião como humilde expectadora, o melhor de todos é 8½ (1963). Para mim, esse filme é o verdadeiro filme realista dele. Agora não falamos mais de ricos, de pobres, de sofrimentos externos. O que está em pauta é o artista sem ideias e seus tormentos psicológicos. Sim! Esses homens fazem parte da realidade também! E Fellini foi um deles.
Guido é um diretor de cinema que busca um pouco de paz para criar uma história para seu novo filme. Essa paz não dura muito, pois é logo interferida por repórteres cheios de perguntas e curiosidades. Pressionado até pelas pessoas que trabalham com ele e precisam de emprego, Guido começa a "viajar" por suas lembranças, especialmente aquelas com as mulheres que passaram por sua vida. Ele lembra de momentos com sua mãe, da sua formação católica, da sua mulher, sua amante e sua atriz principal.
Também misturando sonhos com realidade, 8½ é uma obra-prima semi-autobiográfica (o título foi escolhido porque até aquele momento Fellini já tinha dirigido seis longas, dois curtas (1/2) e "meio" filme, pois dividiu os créditos da direção. Esse era, portanto, o 8 1/2)  e sua conclusão é a mais especial (veja para saber).



Se a história de 8½ lhe parece familiar você não está enganado: em 2009 Rob Marshall (o diretor de Chicago (2002) ) fez uma espécie de remake musical de 8½, chamado Nine (2009), com um elenco cheio de estrelas. Não gostei muito de Nine, mas tem um número muito bom, "Take it All", interpretado por Marion Cotillard, que fez Luisa, mulher de Guido.

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